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domingo, 1 de julho de 2012

MARROCOS É COLORIDO


Nossa viagem ao Marrocos antecedeu a novela fantástica da Glória Perez. De lá para cá muita coisa deve ter mudado, mas o país continua lindo, misterioso, colorido e foi uma viagem tão marcante que não resisto a contar. Eu e meu marido ficamos 100 dias viajando, sem destino definido, sem data para voltar, ainda não éramos casados, e nunca mais nos separamos. Na época, não existia foto digital, logo as publicadas no post não são nossas, são de sites da internet, devidamente identificadas.
Viajamos no inverno, de Madrid para Algeciras de trem, e desembarcamos na estação a tempo de pegar a conexão com a barca que nos levaria a Tanger, do outro lado, à África. No caminho, na rua, encontramos um casal jovem perdido, desolado, pedindo ajuda para voltar para casa, tinham sido roubados, não lhes restava nada. Como estávamos morrendo de pressa e a grana era curta, lamentamos e seguimos adiante. 
De Algeciras na Espanha para Tanger na África, o fuso horário muda, é menos 1 hora.
Era final da tarde, a barca lotada de árabes, o banheiro imundo, uma confusão. A viagem estava programada para levar 2 horas e meia, chegaríamos num horário razoável para consultar a informação turística, encontrar hotel, jantar. De repente, minutos antes de ancorar, parou tudo. Tudo mesmo. Ali ficamos por horas intermináveis. Gente passava mal, ninguém explicava nada. Ao longe, vimos um rapaz enorme, alto, com cara de americano e nos aproximamos. Era um alemão simpático, falava inglês, tinha uma irmã que morava em Tanger e, conformado, explicou que era assim mesmo. Nos sentindo mais seguros, ancoramos nós ao lado do alemão. Soubemos depois que a demora era porque os funcionários responsáveis pela imigração não haviam chegado ao porto! 

Em algum momento, o alemão abriu a sua maleta e dentro só um par de tênis despontava! Na confusão que se seguiu para o desembarque, grudamos no salvador da pátria. Uma lerdeza ímpar para os sonolentos funcionários examinarem os passaportes. Séculos depois, mais de meia noite, nos vimos na rua, sem saber para onde ir. Tudo fechado, inclusive a informação turística. 

Tanger é uma cidade portuária, não se destaca pela segurança. Comovido, o alemão se enfiou em um táxi conosco. O motorista, cheirando a fumo, se decepcionou quando o alemão, em perfeito árabe, indicou o caminho, rua à esquerda, virada à direita. Numa curva da esquina, o motorista parou o carro, saltou e entrou outro motorista, com um cheiro mais desagradável ainda.
O alemão nos levou a um hotel que não sei classificar. Assim que entramos fomos bem recebidos por um senhor que mal falava "yes" or "no". Através de uma porta entreaberta pudemos perceber uma festinha com mulheres espalhafatosas e homens desmantelados. O alemão fez nosso check in, traduziu a recomendação do funcionário - "tranquem bem as janelas, pode subir alguém por ali!" e foi-se embora carregando o par de tênis.
Estávamos no Marrocos!
No dia seguinte procuramos a Tourist Information. Passeamos pelo Grand Socco e Petit Socco, mercados locais, emaranhado de ruas. Tomamos o indefectível chá de hortelã. Entramos numa espécie de bar-restaurante onde tooooodos os homens se viraram para me olhar, não pela beleza, quem dera, mas porque "mulher não entrava em bar".
Acostumados a viajar à noite por toda a Europa, pegamos o trem para Marrakesh, de couchette. Naquela época ainda não existiam as "low cost" e suas absurdas restrições à bagagem.
No meio da viagem fui ao banheiro. Um funcionário do vagão seguinte me viu pelo vidro e começou a gesticular, fazendo sinais para que eu saísse dali! Nem dei bola, voltei para o meu lugar, onde meu marido ressonava. Descobri depois que árabes não viajavam de couchette! Ok, nos países árabes todos me confundem...

Depois de quase 10 horas de viagem, já em Marrakesh, fomos direto para a Praça Djemaa El Fna, o coração da Marrakesh tradicional, declarada Patrimônio Oral da Humanidade pela Unesco em 2001.

Ficamos num hotel ao lado da praça, bem simplesinho. Depois de trancar janelas e portas, descemos para o meio da praça lotada de engolidores de fogo, encantadores de serpentes, malabaristas, vendedores de água, dentistas arrancando dentes dos bravos bérberes, uma confusão maravilhosa. barraquinhas de comida, um cheiro de açafrão na fumaça levada pelo vento. Conseguimos um guia (eles se oferecem, escolhemos o mais simpático) e nos embrenhamos no Souk (mercado), um dos maiores do norte da África. Não dá para entrar no Souk sem um guia, você nunca vai conseguir sair de lá, nem o Minotauro conseguiria! Compramos camelinho de cobre, bandeja, cintos, sapatos de couro, lenços, pulseiras, doces de amendoa. Na barraca de um velhinho bem velhinho compramos um pedaço de queijo e recebemos de troco uma bolinha de haxixe!!!!
S
No dia seguinte, visitamos as Tumbas dos Saadianos, o mausoléu onde estão enterradas as famílias reais saadianas. Visitamos o Palacio Bahia, onde morava o grão vizir, 4 favoritas e 24 concubinas!, o Museu de Artes Marroquinas, dentro do Palácio Dar Si Said ( joias, tapetes, roupas, armas...), a Mesquita Kutubia que tem a torre irmã da Giralda de Sevilha e da torre de Hassan de Rabat, passeamos dentro da Medina. E terminamos o dia no terraço de um restaurante na Praça Djemaa El Fna, tomando um chá de hortelã delicioso e assistindo ao por do sol.No Marrocos, pechinche. Eles ficam ofendidos se você simplesmente paga o que eles pedem, ou se você pergunta o preço, agradece e vai embora, ou se você não pergunta o preço. Um comerciante perguntou ao meu marido quanto ele pagaria por uma pulseira que eu tinha me interessado. Irritado com aquele jogo de toma lá dá cá, meu marido respondeu que nada. Quase foi expulso da loja, o árabe se sentiu insultado! Ainda com o guia, pegamos a  charrete que leva até o aluguel de camelos. Era caro, tiramos só uma foto, paga, naturalmente. Realizamos o nosso desejo de andar de camelo anos mais tarde, já com a vida estabilizada, numa viagem ao Egito, tema de um próximo post. 
Ali descobrimos que Marrakesh é vermelha.

O trem para Meknes passa por Casablanca. Decidimos seguir direto.

Meknes é o centro do país. Antiga capital no seculo XVIII, tem uma kasbah tripla cercando sua área original. São 25kms de muro de 15 metros de altura. Nove portas imensas (babs) dão acesso à cidade antiga. A mais bonita é a Bab El Mansour, portão imperial da cidade, por onde entramos na Medina, levados por Abdul.

Dessa vez o guia nos escolheu. Abdul era surreal! Nos guiava como se fossemos o Grão Vizir da mais alta linhagem, abrindo caminho, afastando as pessoas, parando o trânsito, uma grande figura! Visitamos a Escola de Ceramica Medersa Bournania. A Grande Mesquita, a maior e mais antiga de Meknes. O Mausoleu Moulay Ismail, que contem belíssimas obras de arte, proibidas, sei lá por que motivo, para os olhos muçulmanos.

Visitamos o Museu Dar Jamain, no palácio construído no final do seculo XIX, tapetes, bordados, joias, vestimentas e a Prisão Subterranea. Entramos numa loja de tapetes e fizemos a besteira de perguntar o preço.

A venda de tapetes é um show à parte.É muito fácil descobrir lojas espetaculares de tapetes maravilhosos. O difícil é sair delas. E, só se você for muito determinado, sair de mãos vazias. Eu  comparo a um sequestro. Com toda pompa e circunstância do momento. Eles servem chá de hortelã, te tratam como se você fosse mais importante do que o próprio Rei, exibem acrobacias dignas do Cirque du Soleil com os tapetes que giram, enrolam, serpenteiam no ar. E tudo muda de humor quando você sorri amarelo e diz que não vai levar nada!
Abdul conseguiu nos resgatar e nos levou até a casa dele, fez questão, para que conhecêssemos sua família. Que fazia e vendia tapetes! Trouxemos dois na bagagem, de seda, lindos, um azul e um vermelho que duraram anos até a faxineira resolver lavar no tanque esfregando com o escovão.
Abdul ainda queria e insistiu em nos levar para a casa dele nas montanhas. Dei nosso passeio por encerrado ao ver os olhos azuis do meu marido brilhando com a possibilidade de uma noite ao luar!
Os olhos azuis e a barba ruiva do meu marido foram um problema. Sou morena, bem brasileira, descendente de português com espanhol. Naquela época, no Marrocos, ninguém tinha noção de onde era o Brasil. Ou eu era árabe ou era chinesa! Como achavam que eu era árabe, falavam comigo em árabe e muitos eram grosseiros, porque eu me vestia como uma ocidental e andava de braço dado com um "ali babá" (como chamavam meu marido, o estrangeiro). Anos depois, no Egito, sofri a mesma discriminação.

Méknes com seus telhados coloridos, é verde.

Pegamos à noite o trem para a cidade imperial de Fez. Muita coragem. Só árabes na estação e nenhuma informação. A hora que o trem chegar é a hora que o trem chega. No nosso vagão, um árabe imenso se escarrapachava alisando de vez em quando um volume que trazia na cintura embaixo da túnica. Descobrimos, depois de horas apavorados, que era um policial!

Em Fez, ficamos num hotel fora da Medina, mas não muito longe, íamos a pé. A Medina de Fez, el-Bali, foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco e é a maior do país. 

Ao chegar perto da entrada da Medina escolhemos nosso guia, um rapaz magrinho, moreno e simpático. Ele nos levou para visitar a Mosquee La Karauin, do sec. IX, a grande mesquita de Fez. A Madrassa Bou Inania, fundada em 1350, é a universidade mais antiga do mundo, onde ensinavam teologia, direito corânico, e gramatica. Tem capacidade para 20.000 pessoas. Fomos visitar a Praça Nejarin, a Praça El Sefarin, o mercado de Henna Souq. Programa imperdível é a visita ao tingimento de couro. São enormes tachos coloridos, lindos e imensamente fedorentos! Nossa, o cheiro é horrível! 

O guia nos deu folhas hortelã para cheirar enquanto apreciávamos o trabalho dos operários. Visitamos também o tingimento de fios e lã, o trabalho de cobertores. A Fontane Nerjarine, e o exterior do Palais Royal. 


Bab Bou Jloud, o portão da medina (foto getintravel.com)
Passamos pelos portões da Medina, sendo o mais bonito o Bab Bou Jloud, a Porte Bleu.

Não há dúvida, Fez é azul.

- Fes el-Jdid - sede da comunidade judaica
- Museu de Batha - coleção de arte marroquina admirável

A volta a Tanger de trem foi tranquila, já a viagem de barca nem tanto. Duas filas enormes na estação das barcas eram tão imóveis quanto o Cristo no Corcovado. E nós tínhamos a conexão do trem de Algeciras para Madrid. Nervosa, fui falar com um árabe que parecia o responsável por tudo aquilo. Perguntei em francês, ele me respondeu em árabe, mal criado. Nunca falei tão bem francês! Irritada, disse barbaridades para o camarada. Ele se assustou e nos colocou na outra fila, tão imóvel quanto. Depois descobri que para atravessar para a Espanha, os árabes tinham que preencher um documento. Como a maioria não sabia, não entendia, era analfabeta, pedia ajuda a uns espertalhões ali estrategicamente posicionados. Claro que a fila não andava! E claro, que perdemos a barca. Eu já estava histérica quando conseguimos entrar na barca seguinte, minutos contados para chegar a Algeciras. Tudo ia bem, a barca era mais moderninha, tinha até um bar para coquetéis e petisquinhos. Ali estava o porto, uns 5 minutos distante. E a barca parou. Parou mesmo. E ninguém parecia se importar. Um funcionário bem descansado passou por nós e explicou que "enquanto tivesse gente consumindo no bar, a barca não andava"!!!?? Inacreditável. E real.
S
Bab El Mansour (foto panoramio.com)
Mausoléu Moulay Ismail (foto fora do mapa)
Perdemos o trem.
E, enquanto esperávamos o próximo, horas depois, demos de cara novamente com o pobrezinho do casal que tinha perdido tudo. Soubemos que eles viviam ali, pedindo dinheiro para comprar drogas.
Foi uma aventura. Maravilhosa.
Pretendemos voltar um dia. De avião!

OUTROS

Entre Algeciras e Ceuta a viagem leva 35 minutos.

Museu de Marrakech - inaugurado em 1997 é um antigo palácio restaurado que tem no acervo obras de artistas contemporâneos até jóias berberes.

Mesquita Ben Youssef - fica em frente ao Museu e foi construída no século 19.

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