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domingo, 11 de agosto de 2013

PARANAPIACABA, O PRESENTE CONDENA.

Paranapiacaba vista da Parte Alta
Nunca tinha ouvido falar de Paranapiacaba, uma cidade incrustada no interior, distante uma hora e pouquinho de São Paulo. Quando meu marido trouxe a novidade, nem hesitamos, adoramos conhecer novos lugares.

Nos perdemos. A indicação na saída de São Paulo pela Rodovia Anchieta é um pouco confusa. Levamos mais de duas horas na estrada.

No alto da Serra do Mar, em meio à Mata Atlântica, a vila de Paranapiacaba, em Tupi “lugar onde se vê o mar”, foi escolhida pelos ingleses, incentivados pelo Barão de Mauá, para a construção da primeira ferrovia brasileira, a São Paulo Railways, inaugurada em 1867. Hoje, a cidade é Patrimônio Nacional. A estrada de ferro fazia o transporte de cargas e pessoas entre o interior de São Paulo e o porto de Santos. Era o auge da era do café e o Barão tinha interesse em melhorar as condições de transporte do seu produto, toneladas de café. A concessão dos ingleses era de 90 anos.

Ao chegar na entrada da cidade, outra dúvida: ir pelo Alto? Ir por Baixo? As placas não esclareciam a diferença. Optamos por seguir o Google Maps para o Alto. Estacionamos o carro perto da Igreja, onde deveria haver uma quermesse anunciada para começar às 10 da manhã. Já passava de 1 hora, as barraquinhas estavam lá, mas vazias. A música tocando para ninguém ouvir. Deduzi que a festa começaria mais tarde.

A Igreja de Paranapiacaba, na Parte Alta, que tem como padroeiro o Senhor Bom Jesus, foi fundada em 1889. É a Matriz. 

Igreja Matriz Senhor Bom Jesus de Paranapiacaba
Descemos uma pirambeira inacreditável e comecei a ficar preocupada vendo o estado dos turistas que subiam a ladeira. Exauridos, bufando de calor e cansaço. Como, aparentemente, não havia outro caminho, seguimos em frente. Do alto, já se pode ver a cidade. Toda.

A Ladeira que liga a Parte Alta à Parte Baixa e suas casinhas coloridas
A Passarela Metálica extensa liga os dois lados de Paranapiacaba, a Parte Alta e a Parte Baixa. De cima, se pode ver o péssimo estado de conservação do que foi uma ferrovia pioneira nessa vila tão importante do final do século 19 até meados dos anos 40, quando o governo tirou os incentivos às ferrovias e os ingleses partiram com suas inovações. A cidade parou então.

Passarela que liga as duas Partes 
Como é possível que os governantes não percebam o enorme potencial turístico que revertido em renda pode sustentar um país?

Paranapiacaba é um exemplo do que poderia ter sido um destino turístico espetacular. As construções em madeira, com telhado de zinco, que serviram de moradia para os ferroviários ingleses estão lá, aos pedaços. As que tentam se reerguer esbarram em decretos inúteis como a proibição de se construir banheiros porque os imóveis são tombados. Pousadas sofrem com essa decisão esdrúxula. Desse jeito, os imóveis vão “tombar” literalmente.
Muitas casas, pousadas e restaurantes mantém o banheiro do lado de fora, a popular “casinha”.

As "Casinhas"
O serviço e o atendimento, na maioria dos lugares, são precários, os restaurantes são econômicos no mau sentido, nenhuma preocupação com bom gosto ou qualidade. Muitas garrafas de cerveja, cadeiras e mesas de plástico. 

Restaurante no centro.
Entrei numa lojinha com o nome pomposo de “Espaço Gastronômico” para comer um salgado ou algo parecido. A senhora que atendia estava numa conversa animada com a amiga, mas se dignou a ir atrás do balcão. Não era antipática, era despreparada. Não oferecia nenhum salgado, nada. Algumas tortas, já faltando pedaços, se exibiam tristemente no balcão. Na parede, um cartaz anunciando bebidas como café, chocolate quente, choconhaque. Pedi um chocolate quente. “Vai demorar muito.” Foi a resposta. Desisti.

Espaço Gastronômico que não serve nada.
Não espere encontrar o artesanato bonitinho da região. Em Paranapiacaba, algumas poucas lojinhas tem nas prateleiras objetos encontrados em qualquer armazém do interior. Falta incentivo. Também não vi nenhuma loja de decoração, roupas. Não é um lugar para compras.

O espetacular Funicular, de 1901, um dos mais antigos do mundo, formado por 5 planos inclinados e 5 patamares, que atravessavam 11 túneis em plena rocha, enfrentando o desnível de 796 metros, para levar os produtos da serra até o porto, apodrece junto com o lindo Carro Imperial Avonside Classe F, de 1868, que teve a honra de transportar D. Pedro II.

Eu sinto saudades de D. Pedro II. Sério. Acho que foi nosso último governante compromissado com a cultura, a beleza, a harmonia, a tecnologia e a educação.

Em 1946, a São Paulo Railway foi encampada pelo Governo Federal, leia-se Presidente Eurico Gaspar Dutra, o mesmo que pôs fim ao jogo no Brasil. Em 1950, foi incorporada à Rede Ferroviária Federal. Em 1977, uma das antigas estações foi desativada e se transformou na estação atual. O belo relógio, sem função, foi transferido para o meio do lugar nenhum, onde está até hoje. No ano de 1981, o fogo destruiu a estação. No ano seguinte, 1982, o funicular foi desativado. Hoje, algumas de suas máquinas estão em exibição no Museu do Funicular.

O Ônibus Turístico é uma espécie de lotação que faz o circuito da cidade levando aos “pontos turísticos” mais importantes. O passeio, em velocidade normal, duraria uns 10 minutos. É quase uma volta no quarteirão. O motorista, dublê de guia, se esforça, dirige devagar quase parando, enobrece as atrações com elogios exagerados. Me senti no filme Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues - quem não viu, veja, é ótimo!

O Ônibus de Sightseeing
Um eucalipto centenário faz parte do circuito turístico. Ali, eram expostos os avisos dos principais acontecimentos da cidade, bilhetes, comunicações. O famoso “Pau da Missa” teve o seu maior galho cortado, virou um cotoco. Infelizmente.

O cotoco que sobrou do exuberante "Pau da Missa"
Na segunda volta circular, o motorista resolveu parar para tomar um café e levou todo mundo ao União Clube Lira Serrano, fundado em 1930 pelos ingleses, onde “segundo ele”, tudo acontece e todos se reúnem. Nós que estávamos na carona da segunda viagem, tomamos outro rumo.

De dentro do lotação eu tinha visto um restaurante com flores na janela e sugeri ao meu marido almoçar ali. No final do tour, voltamos até ele. As flores eram de plástico, o restaurante era um quilão que servia “joelho”. Não deu. As aparências enganaram!

Restaurante a quilo
O famoso Relógio, construído em 1898 pela Johnny Walker Benson, de Londres, como parte da nova Estação, que foi erguida com madeira, ferro e telhas francesas trazidas da Inglaterra, ainda está lá, e, segundo o motorista-guia, “se parece com o Big Ben”. Com a destruição da estação, sem ter o que fazer com ele, depositaram no meio dos trilhos, em cima de uma plataforma de cimento. Poderia ser uma atração,  se, ao menos, funcionasse e não estivesse largado ao longe, apático.

O "Big Ben" paulista
Outras atrações da cidade incluem o extenso Parque Natural Municipal das Nascentes, com visitação guiada por monitores ambientais. Trilhas em meio à Mata Atlântica preservada e várias nascentes que contribuem para abastecer a Represa Billings. Na Cachoeira da Fumaça pode-se praticar arvorismo e rapel. A informação é imprecisa, alguns afirmam que a queda d´agua tem 130 metros de altura. Pode ser um passeio legal com atrativos para todas as idades.

Entrada do Parque Nascentes
Motoqueiros são atraídos pelas trilhas tortuosas vizinhas e param no centro da vila para reabastecer tanto as motos como a eles mesmos.


Ciclistas aproveitam a paz do lugar e a natureza belíssima em volta para fazer circuitos.

Não entendi bem por que, com o ano inteiro disponível, a única festividade é o Festival de Inverno, em Julho, que concentra uma programação de 5 a 6 atrações ótimas de música brasileira por dia, em vários palcos espalhados pela cidade, começando ao meio dia e terminando às 19:30h. Músicos com Ivan Lins, Pedro Mariano, Guilherme Arantes, se apresentam nos finais de semana. A cidade fica lotada, mas não tem estrutura para comportar tantos turistas. Seria mais inteligente fazer eventos menores durante o ano inteiro. A proximidade com São Paulo favorece isso.

Mesmo assim, tirei belas fotos e achei a cidade muito simpática e pitoresca.

Lembrança de um tempo de fartura. 

Linda Menina-Borboleta
Com fome e sede, meu marido não perdeu a esperança e perguntou à dona de uma loja de artesanato, se, por acaso, ela conhecia um restaurante onde poderíamos comer bem. Sim, foi a resposta, para nosso espanto. Teríamos que voltar a pé um longo pedaço, no sol, cansados... e se estivesse fechado? Decidimos arriscar.

Foi a salvação! De longe, vimos uma porta, como portão de garagem, aberta e algumas cadeiras empilhadas. Mais perto, notamos sinal de gente. Nos aproximamos mais e a decoração graciosa foi um alívio e uma alegria! Beduínos no oásis!

A Hospedaria Os Memorialistas pertence à D. Zélia, uma senhora alegre, falante, de rosto corado e habilidade ímpar na cozinha. Ali, há não muito tempo, ela instalou o seu Cavern Club, nome talvez inspirado na antiga população das terras da Rainha. O Cavern Club, porém, tem cara e sabor bem brasileiros – ainda bem! As toalhas de chita, as cores fortes por todo o ambiente rústico-chique, de um bom gosto sem ostentação, me cativaram de cara. E quando D. Zélia disse que não tinha cardápio, que ia cozinhar para nós, ganhamos o dia!

Restaurante Cavern Club
Bar La Bodeguita, dentro do Restaurante Cavern Club
Foi assim: uma entrada simples, saborosérrima, com tomatinhos frescos, azeitonas, pasta de gorgonzola e pedacinhos de queijo mergulhados no azeite e com ervas; um creme de mandioquinha com frango e pedacinhos de queijo parmesão; a salada farta em folhas, passas, tomatinhos e damasco; e os risotos de funghi e o de quatro queijos com tomate seco para coroar a refeição. Tudo feito na hora, espetacular! A cerveja Original geladérrima! Infelizmente, não houve espaço para a sobremesa.

Entradinha no almoço do Cavern Club
D. Zélia atende a todos com atenção super especial ao lado do marido, um brincalhão, e a filha. Os clientes não vão embora, ficam ali, conversando, bebericando, experimentando a famosa cachacinha da região e tomando o café fresco servido no bule de ágata. Chave de ouro!!!

D. Zélia é uma defensora da cidade, desejosa de que os governantes deem um rumo decente à herança deixada pelos fundadores. Ela sabe que em qualquer lugar do mundo, um vilarejo como aquele seria explorado em todo o seu potencial turístico. E torce, assim como nós, para que não se transforme em um sítio fantasma.

Na volta, caminhamos bastante e subimos a famigerada ladeira até a igreja. Descobrimos, pela D. Zélia, que poderíamos ter ido de carro até a cidade se tivéssemos escolhido a entrada pela parte baixa ou Vila Martin Smith, lá onde vimos as placas sem explicação. Bem, pelo menos valeu para tirar a culpa pelo exagero do almoço!

E a quermesse, já perto das 6 da tarde, continuava igualzinha... vazia....

Paranapiacaba não é independente, foi comprada pelo município de Santo André em 2002. A cidade está entre os 100 monumentos mais importantes do mundo pelo World Monuments Fund e integra a Reserva Biosfera da Mata Atlântica. Impensável que esteja tão deteriorada, sem investimento na sua recuperação e reestruturação. Necessita urgente de revitalização em todos os setores para que se reerga e volte a brilhar.

Se a cidade fosse respeitada por seus administradores, a gente não sentiria tanto a falta dos ingleses.


OUTROS:

Centro de Informações Turísticas de Paranapiacaba – largo dos Padeiros, s/no. 11 44390237. www.santoandre.sp.gov.br

COMO CHEGAR:

De carro: saindo de São Paulo pegar a Rodovia Anchieta até o km 29 (placa para Ribeirão Pires), entrar na SP 148 (estrada velha de Santos) até o km 33 e pegar a Rodovia Índio Tibiriçá (SP 31) até o km 45,5. Depois, pegar a SP 122 até Paranapiacaba. As obras do Rodoanel Mario Covas estão confundindo um pouco a rota, melhor se informar bem antes.  

De trem: durante três domingos por mês, um trem turístico sai da Estação da Luz, plataforma 4, às 8:30h. O retorno é às 16:30h. Seria maravilhoso se o trajeto fosse na Maria Fumaça que fica parada nos trilhos em Paranapiacaba. Informações: www.cptm.sp.gov.br

De ônibus: Terminal Rodoviário Santo André (Tersa), localizado na Estação Prefeito Saladino (CTPM), ou da Estação Ferroviária de Rio Grande da Serra, de hora em hora. Viação Ribeirão Pires – 11 48289646.

ONDE FICAR:

Hospedaria Os Memorialistas
Avenida Fox, 525/526 – Vila Martin Smith
Reservas: 11 44390194 / 11 994679400

Pousada Shamballah
Rua Rodrigues Alves, 471
Bem avaliada no Trip Advisor

Pousada Shamballah

ONDE COMER:

Restaurante Estação Cavern Club
Av. Fox, 525/526 – Vila Martin Smith
Tel: 11 44390194 / 11 994679400



Um comentário:

  1. Eu amo Paranapiacaba e concordo plenamente com a autora. A Vila tem potencial para um turismo mais bem recheado de opções. Falta interesse por parte dos políticos responsáveis. Se aparelharem essa vila de aordo com o que ela merece todos sairão ganhando, tanto os visitantes quanto a população que vive dos recursos extraidos dessa modalidade.

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