Paranapiacaba vista da Parte Alta |
Nunca tinha ouvido falar de Paranapiacaba, uma cidade incrustada no
interior, distante uma hora e pouquinho de São Paulo. Quando meu marido trouxe
a novidade, nem hesitamos, adoramos conhecer novos lugares.
Nos perdemos. A indicação na saída
de São Paulo pela Rodovia Anchieta é um pouco confusa. Levamos mais de duas
horas na estrada.
No alto da Serra do Mar, em meio
à Mata Atlântica, a vila de Paranapiacaba, em Tupi “lugar onde se vê o mar”, foi
escolhida pelos ingleses, incentivados pelo Barão de Mauá, para a construção da
primeira ferrovia brasileira, a São
Paulo Railways, inaugurada em 1867. Hoje, a cidade é Patrimônio Nacional. A
estrada de ferro fazia o transporte de cargas e pessoas entre o interior de São
Paulo e o porto de Santos. Era o auge da era do café e o Barão tinha interesse
em melhorar as condições de transporte do seu produto, toneladas de café. A concessão dos ingleses
era de 90 anos.
Ao chegar na entrada da cidade,
outra dúvida: ir pelo Alto? Ir por Baixo? As placas não esclareciam a diferença. Optamos por seguir o Google Maps para o Alto. Estacionamos o
carro perto da Igreja, onde deveria haver uma quermesse anunciada para começar
às 10 da manhã. Já passava de 1 hora, as barraquinhas estavam lá, mas vazias. A
música tocando para ninguém ouvir. Deduzi que a festa começaria mais tarde.
A Igreja de Paranapiacaba, na Parte Alta, que tem como padroeiro o Senhor Bom
Jesus, foi fundada em 1889. É a Matriz.
Igreja Matriz Senhor Bom Jesus de Paranapiacaba |
Descemos uma pirambeira
inacreditável e comecei a ficar preocupada vendo o estado dos turistas que
subiam a ladeira. Exauridos, bufando de calor e cansaço. Como, aparentemente, não havia outro caminho, seguimos em frente. Do alto, já se pode ver a cidade. Toda.
A Ladeira que liga a Parte Alta à Parte Baixa e suas casinhas coloridas |
A Passarela Metálica extensa liga
os dois lados de Paranapiacaba, a Parte Alta e a Parte Baixa. De cima, se pode
ver o péssimo estado de conservação do que foi uma ferrovia pioneira nessa vila
tão importante do final do século 19 até meados dos anos 40, quando o governo
tirou os incentivos às ferrovias e os ingleses partiram com suas inovações. A
cidade parou então.
Passarela que liga as duas Partes |
Como é possível que os governantes
não percebam o enorme potencial turístico que revertido em renda pode sustentar
um país?
Paranapiacaba é um exemplo do que
poderia ter sido um destino turístico espetacular. As construções em madeira,
com telhado de zinco, que serviram de moradia para os ferroviários ingleses estão
lá, aos pedaços. As que tentam se reerguer esbarram em decretos inúteis como a
proibição de se construir banheiros porque os imóveis são tombados. Pousadas
sofrem com essa decisão esdrúxula. Desse jeito, os imóveis vão “tombar”
literalmente.
Muitas casas, pousadas e restaurantes
mantém o banheiro do lado de fora, a popular “casinha”.
As "Casinhas" |
O serviço e o atendimento, na maioria dos lugares, são precários,
os restaurantes são econômicos no mau sentido, nenhuma preocupação com bom gosto
ou qualidade. Muitas garrafas de cerveja, cadeiras e mesas de plástico.
Restaurante no centro. |
Entrei
numa lojinha com o nome pomposo de “Espaço Gastronômico” para comer um salgado
ou algo parecido. A senhora que atendia estava numa conversa animada com a
amiga, mas se dignou a ir atrás do balcão. Não era antipática, era
despreparada. Não oferecia nenhum salgado, nada. Algumas tortas, já faltando
pedaços, se exibiam tristemente no balcão. Na parede, um cartaz anunciando bebidas
como café, chocolate quente, choconhaque. Pedi um chocolate quente. “Vai
demorar muito.” Foi a resposta. Desisti.
Espaço Gastronômico que não serve nada. |
Não espere encontrar o artesanato bonitinho da região. Em Paranapiacaba, algumas poucas lojinhas tem nas prateleiras objetos encontrados em qualquer armazém do interior. Falta incentivo. Também não vi nenhuma loja de decoração, roupas. Não é um lugar para compras.
O espetacular Funicular, de 1901,
um dos mais antigos do mundo, formado por 5 planos inclinados e 5 patamares,
que atravessavam 11 túneis em plena rocha, enfrentando o desnível de 796
metros, para levar os produtos da serra até o porto, apodrece junto com o lindo
Carro Imperial Avonside Classe F, de 1868, que teve a honra de transportar D.
Pedro II.
Eu sinto saudades de D. Pedro II.
Sério. Acho que foi nosso último governante compromissado com a cultura, a beleza,
a harmonia, a tecnologia e a educação.
Em 1946, a São Paulo Railway foi
encampada pelo Governo Federal, leia-se Presidente Eurico Gaspar Dutra, o mesmo
que pôs fim ao jogo no Brasil. Em 1950, foi incorporada à Rede Ferroviária
Federal. Em 1977, uma das antigas estações foi desativada e se transformou na estação
atual. O belo relógio, sem função, foi transferido para o meio do lugar nenhum, onde está até
hoje. No ano de 1981, o fogo destruiu a estação. No ano seguinte, 1982, o
funicular foi desativado. Hoje, algumas de suas máquinas estão em exibição no
Museu do Funicular.
O Ônibus Turístico é uma espécie de lotação que faz o
circuito da cidade levando aos “pontos turísticos” mais importantes. O passeio,
em velocidade normal, duraria uns 10 minutos. É quase uma volta no quarteirão.
O motorista, dublê de guia, se esforça, dirige devagar quase parando, enobrece
as atrações com elogios exagerados. Me senti no filme Bye Bye Brasil, de Cacá
Diegues - quem não viu, veja, é ótimo!
O Ônibus de Sightseeing |
Um eucalipto centenário faz parte
do circuito turístico. Ali, eram expostos os avisos dos principais
acontecimentos da cidade, bilhetes, comunicações. O famoso “Pau
da Missa” teve o seu maior galho cortado, virou um cotoco. Infelizmente.
O cotoco que sobrou do exuberante "Pau da Missa" |
Na segunda volta circular, o
motorista resolveu parar para tomar um café e levou todo mundo ao União Clube Lira Serrano, fundado em
1930 pelos ingleses, onde “segundo ele”, tudo acontece e todos se reúnem. Nós
que estávamos na carona da segunda viagem, tomamos outro rumo.
De dentro do lotação eu tinha
visto um restaurante com flores na janela e sugeri ao meu marido almoçar ali.
No final do tour, voltamos até ele. As flores eram de plástico, o restaurante
era um quilão que servia “joelho”. Não deu. As aparências enganaram!
Restaurante a quilo |
O famoso Relógio, construído em 1898 pela Johnny Walker Benson, de Londres,
como parte da nova Estação, que foi erguida com madeira, ferro e telhas
francesas trazidas da Inglaterra, ainda está lá, e, segundo o motorista-guia, “se
parece com o Big Ben”. Com a destruição da estação, sem ter o que fazer com ele, depositaram no meio dos trilhos, em cima de uma plataforma de cimento. Poderia ser
uma atração, se, ao menos, funcionasse e não estivesse largado ao longe, apático.
O "Big Ben" paulista |
Outras atrações da cidade incluem o extenso Parque Natural
Municipal das Nascentes, com visitação guiada por monitores ambientais.
Trilhas em meio à Mata Atlântica preservada e várias nascentes que contribuem
para abastecer a Represa Billings. Na Cachoeira da Fumaça pode-se praticar
arvorismo e rapel. A informação é imprecisa, alguns afirmam que a queda d´agua tem 130 metros de altura. Pode ser um passeio
legal com atrativos para todas as idades.
Entrada do Parque Nascentes |
Motoqueiros são atraídos pelas
trilhas tortuosas vizinhas e param no centro da vila para reabastecer tanto as
motos como a eles mesmos.
Ciclistas aproveitam a paz do
lugar e a natureza belíssima em volta para fazer circuitos.
Não entendi bem por que, com o ano
inteiro disponível, a única festividade é o Festival de Inverno, em Julho, que concentra uma programação de 5 a
6 atrações ótimas de música brasileira por dia, em vários palcos espalhados
pela cidade, começando ao meio dia e terminando às 19:30h. Músicos com Ivan
Lins, Pedro Mariano, Guilherme Arantes, se apresentam nos finais de semana. A
cidade fica lotada, mas não tem estrutura para comportar tantos turistas. Seria
mais inteligente fazer eventos menores durante o ano inteiro. A proximidade com
São Paulo favorece isso.
Mesmo assim, tirei belas fotos e
achei a cidade muito simpática e pitoresca.
Lembrança de um tempo de fartura. |
Linda Menina-Borboleta |
Com fome e sede, meu marido não
perdeu a esperança e perguntou à dona de uma loja de artesanato,
se, por acaso, ela conhecia um restaurante onde poderíamos comer bem. Sim, foi a resposta, para nosso espanto. Teríamos que voltar a pé um longo pedaço, no
sol, cansados... e se estivesse fechado? Decidimos arriscar.
Foi a salvação! De longe, vimos
uma porta, como portão de garagem, aberta e algumas cadeiras empilhadas. Mais
perto, notamos sinal de gente. Nos aproximamos mais e a decoração graciosa foi
um alívio e uma alegria! Beduínos no oásis!
A Hospedaria Os Memorialistas pertence à D. Zélia, uma senhora
alegre, falante, de rosto corado e habilidade ímpar na cozinha. Ali, há não
muito tempo, ela instalou o seu Cavern
Club, nome talvez inspirado na antiga população das terras da
Rainha. O Cavern Club, porém, tem cara e sabor bem brasileiros – ainda bem! As
toalhas de chita, as cores fortes por todo o ambiente rústico-chique, de um bom
gosto sem ostentação, me cativaram de cara. E quando D. Zélia disse que não
tinha cardápio, que ia cozinhar para nós, ganhamos o dia!
Restaurante Cavern Club |
Bar La Bodeguita, dentro do Restaurante Cavern Club |
Foi assim: uma entrada simples,
saborosérrima, com tomatinhos frescos, azeitonas, pasta de gorgonzola e
pedacinhos de queijo mergulhados no azeite e com ervas; um creme de
mandioquinha com frango e pedacinhos de queijo parmesão; a salada farta em
folhas, passas, tomatinhos e damasco; e os risotos de funghi e o de quatro
queijos com tomate seco para coroar a refeição. Tudo feito na hora,
espetacular! A cerveja Original geladérrima! Infelizmente, não houve espaço
para a sobremesa.
Entradinha no almoço do Cavern Club |
D. Zélia atende a todos com atenção
super especial ao lado do marido, um brincalhão, e a filha. Os clientes não vão
embora, ficam ali, conversando, bebericando, experimentando a famosa cachacinha
da região e tomando o café fresco servido no bule de ágata. Chave de ouro!!!
D. Zélia é uma defensora da
cidade, desejosa de que os governantes deem um rumo decente à herança deixada
pelos fundadores. Ela sabe que em qualquer lugar do mundo, um vilarejo como aquele
seria explorado em todo o seu potencial turístico. E torce, assim como nós,
para que não se transforme em um sítio fantasma.
Na volta, caminhamos bastante e
subimos a famigerada ladeira até a igreja. Descobrimos, pela D. Zélia, que
poderíamos ter ido de carro até a cidade se tivéssemos escolhido a entrada pela
parte baixa ou Vila Martin Smith, lá onde vimos as placas sem explicação. Bem,
pelo menos valeu para tirar a culpa pelo exagero do almoço!
E a quermesse, já perto das 6 da
tarde, continuava igualzinha... vazia....
Paranapiacaba não é independente, foi comprada pelo município de Santo André em 2002. A cidade está entre os 100 monumentos
mais importantes do mundo pelo World Monuments Fund e integra a Reserva
Biosfera da Mata Atlântica. Impensável que esteja tão deteriorada, sem
investimento na sua recuperação e reestruturação. Necessita urgente de revitalização em todos os setores para que se reerga e volte a brilhar.
Se a cidade fosse respeitada por
seus administradores, a gente não sentiria tanto a falta dos ingleses.
OUTROS:
Centro de Informações Turísticas de Paranapiacaba – largo dos
Padeiros, s/no. 11 44390237. www.santoandre.sp.gov.br
COMO CHEGAR:
De carro: saindo de São Paulo pegar a Rodovia Anchieta até o km 29
(placa para Ribeirão Pires), entrar na SP 148 (estrada velha de Santos) até o
km 33 e pegar a Rodovia Índio Tibiriçá (SP 31) até o km 45,5. Depois, pegar a
SP 122 até Paranapiacaba. As obras do Rodoanel Mario Covas estão confundindo um
pouco a rota, melhor se informar bem antes.
De trem: durante três domingos por mês, um trem turístico sai da
Estação da Luz, plataforma 4, às 8:30h. O retorno é às 16:30h. Seria
maravilhoso se o trajeto fosse na Maria Fumaça que fica parada nos trilhos em Paranapiacaba.
Informações: www.cptm.sp.gov.br
De ônibus: Terminal Rodoviário
Santo André (Tersa), localizado na Estação Prefeito Saladino (CTPM), ou da
Estação Ferroviária de Rio Grande da Serra, de hora em hora. Viação Ribeirão
Pires – 11 48289646.
ONDE FICAR:
Hospedaria Os Memorialistas
Avenida Fox, 525/526 – Vila Martin
Smith
Reservas: 11 44390194 / 11
994679400
Pousada Shamballah
Rua Rodrigues Alves, 471
Bem avaliada no Trip Advisor
Pousada Shamballah |
ONDE COMER:
Restaurante Estação Cavern Club
Av. Fox, 525/526 – Vila Martin
Smith
Tel: 11 44390194 / 11
994679400
Eu amo Paranapiacaba e concordo plenamente com a autora. A Vila tem potencial para um turismo mais bem recheado de opções. Falta interesse por parte dos políticos responsáveis. Se aparelharem essa vila de aordo com o que ela merece todos sairão ganhando, tanto os visitantes quanto a população que vive dos recursos extraidos dessa modalidade.
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